segunda-feira, 4 de julho de 2011

A ÁGUIA E A GALINHA de James Aggrey.


A FÁBULA DA ÁGUIA E DA GALINHA
Esta é uma história que vem de um pequeno país da África Ocidental, Gana, narrada por um educador popular, James Aggrey, nos inícios deste século, quando se davam os embates pela descolonização.

"Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros.

Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
– Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
– De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.
– Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.
– Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.

Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:
– Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!

A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.

O camponês comentou:
– Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!
– Não – tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou lhe:
-Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe!

Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas.

O camponês sorriu e voltou à carga:
– Eu lhe havia dito, ela virou galinha!
– Não – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas.

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
– Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe !

A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.

Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez para mais alto. Voou... voou.. até confundir-se com o azul do firmamento... ".

Referência

BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Uma metáfora da condição humana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
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Interpretando, sob o nosso ponto de vista:

"E A LUZ FOI DADA AO NEÓFITO!"

Esta fábula, e em particular as inferências efetuadas pelo naturalista, me remete ao ensinamento do filósofo Sócrates, contido na frase em latim: “Nosce Te Ipsum”. Esta expressão significa “Conhece-te a ti próprio”, e foi encontrada inscrita em uma das pareces do templo de Apolo, na cidade de Delfos, na Grécia. Ela ensina que está dentro de cada um de nós as respostas para as questões mais particulares; como neste caso, a questão da existência: a eterna pergunta, QUEM SOU EU?

Refletindo um pouco mais, observando o camponês, lembro-me dos anos da ditadura militar no Brasil, quando o curso de Filosofia foi banido dos currículos das universidades brasileiras e a disciplina excluída das escolas públicas do ensino fundamental e médio.

Nesta fábula, o camponês, é mostrado como aquele ditador, cujo método de governo, centra-se na estratégia de que, para manter o povo sob seu domínio, é necessário afastá-lo de toda e qualquer informação que possa vir a esclarecê-lo, quanto aos seus direitos. O que seguramente aconteceria, a partir da reflexão filosófica, aplicada à busca pelo conhecimento.

Ao contrário, o trabalho do naturalista, de origem socrática, esforça-se para conduzir a Águia que se acha Galinha, a conhecer-se e a exercer seu lugar no mundo onde vive. Um lugar, muito acima dos terreiros do camponês, no alto, no espaço, alçado por sua capacidade natural de voar.

Entretanto, encoberta pela vida de acéfalo que passa a maior parte de sua existência a segurar minhocas na boca, ela refuta em seguir os ensinamentos do naturalista.

Enfim, a partir de algumas tentativas fracassadas, o educador James Aggrey, finalmente busca no símbolo do Sol, que a milhares de anos, simboliza a luz da verdade, uma forma efetiva de transformação da pobre ave.

O naturalista, a segura firmemente em suas mãos e aponta-a para o Sol. Este gesto faz com que ela contemple a luz inebriante do maior astro de nosso mundo e perceba finalmente o que na verdade é: o símbolo da força, da grandeza e da majestade no mundo animal.

Concluindo, o trabalho do naturalista aponta o caminho que deve tomar o mestre. Caminho este que deve motivar o aprendiz, ao estudo, pesquisa, debate e a reflexão filosófica. Este caminho deve criar uma interface de si com o mundo exterior, proporcionando a busca autêntica pelo conhecimento.

E claro, bem distante de se tornar um camponês em um ambiente que exclua a liberdade de SER e SABER!