Nesta tarde na Casa da Alfândega no centro de Florianópolis, encontrei tecendo umas redes de pescar, um envelhecido manézinho, pescador, nascido há muito anos na Lagoa (da rendeira Conceição), filho legítimo de Açorianos, que de imediato, logo tive fé, ser possuidor de faculdades colossais.
Atravessei pela sua frente, afastei-me aproximadamente dois metros e permaneci, por algum tempo, observando-o com a atenção de um felino de tocaia a almejar a sua presa e, com a curiosidade de um macaco bisbilhoteiro.
Ele, claro, logo percebeu, e conservou-se a tecer a sua rede, incólume, íntegro, sem agitar-se; Quem sabe, porque já estivesse habituado a avistar do alto de sua sabedoria, todo tipo de olhar.
De alguma forma, decidi aproximar-me, timidamente, mas tranqüilo, pacato... Não sei por que, mas temia assustá-lo.
Algum longo instante depois e, lá estava eu à frente de sua fiação... Levemente passei a tocar algumas redes e afinal, ofereci um acanhado dialogo, mais propenso a um interrogatório, a uma sindicância, do que alguma outra coisa qualquer. Mas assim se passou:
- Tudo bem? – (pareceu-me um bom começo).
- Tudo graças a Deus. – (pareceu-lhe bom também. Acho!)
- Como é o seu nome? - (perguntei-lhe já um pouco audacioso).
- Campolino. – (respondeu com um sorriso sereno brotando de seus velhos e cansados lábios).
- Campolino? É bonito! Mas é seu sobrenome? (perguntei curioso).
- Não, meu sobrenome é Angelino. CAMPOLINO ANGELINO é o nome que meu querido Pai e minha Mãe me deram. (respondeu, todo orgulhoso e, realmente com toda razão, é um nome e sobrenome, muito bonito, inspirador, harmonioso, perto de aconselhar ao poeta arriscar-se em um verso e prosa.) - - Quanto custam as suas redes? (perguntei para mudar de assunto e, demonstrar interesse pelo seu trabalho).
- Esta que o senhor está segurando, é para enfeite, por isso teci com fios de linha, e custa R$ 5,00. Mas, esta tecida em linha de pescar, é R$ 10,00 e, pode ser utilizada para a pesca pela criança. (respondeu apontando para o Renan, que percebendo meu interesse por ali, aproximou-se todo curioso).
- O senhor demora muito para tecê-la? (perguntei observando os olhos de autoridade e, ao mesmo tempo de estima que o Renan apontava para o pescador).
- Sim, 8 meses, para as grandes, com diâmetro de
- O Sr. Parece a minha Mãe. Estava sempre tecendo, tricotando, trançando, sem parar, até que... (deixei escapar, sem completar, mas embargado pela lembrança).
- É o que faço. É o que Amo. E faz muito tempo... (respondeu ele, percebendo minha dor e minha saudade.)
- E, continuarei enquanto Deus assim permitir...assim continuarei...e feliz...(acrescentou humilde, fazendo com que eu me senti-se imensamente sereno e em paz; assim como também, declarou logo depois o Renan.)
- Puxa Pai...que velhinho simpático e feliz! Só que nós vamos esquecer o nome dele. Aliás, já esqueci.
- Não vamos não, filho. Olhe dentro da sacola.- (Ele olha, e vê feliz o nome Campolino Angelino, rascunhado em um pequeno pedaço de papel).
Com inegável talento e objetividade, ele assinalava no ar que sua vida consistia “na proporção entre dar e o exigir aquilo que reclamam as relações essenciais na vida do gênero humano” . Ele parecia ter encontrado o segredo. O de encontrar felicidade e realização em seu trabalho.
O que poderia ser objeto daquela Fé? E no que consistia? Na Divindade Suprema? Ou no que propunha a sua crença? Será que sua Fé era um termo médio entre a Ciência, exercida em sua arte de rendeiro e pescador e, a Opinião que havia tecido durante sua vida? E demonstrava afirmando que assim continuaria até a interferência Divina?
Se a opinião e a Ciência podem coexistir a respeito de um mesmo objetivo, poderá assim acontecer entre a Fé e a Ciência, isto é, poderá o objeto da fé, ser também o da Ciência?
O Seu Campolino Angelino, dizia que sim! Ou me levava a acreditar que sim! Pois, a benevolência que brilhava em seus olhos, a leveza e a firmeza com que suas mãos conduziam a agulha entre um laço e outro, a inteligência demonstrada no mestre que puxava e alinhava o fio, orientava-me a entender que a realização do trabalho físico leva a realização do metafísico; ou como quer a crença cristã, da consumação do corpo à efetiva edificação da alma.
Sim, por que a LUZ produzida ali naquele pequeno canto, nesta tarde de verão, logo abaixo da Janela semi-aberta, situada no interior, e ao Norte na Casa da Alfândega, em pleno centro da Ilha da Magia, é transmitida diretamente da Alma para a Alma. Da dele para a minha.
Um comentário:
A felicidade do Sr. Campolino, do alto de sua humilde raiz, nos mostra que ser feliz não precisa culminar no materialismo ou status que ostentamos ou queremos, mas no conhecimento.
Ao constatar a curiosidade do Irmão Nelson, Sr. Campolino, mestre no que faz, continuou tecendo sua rede, orgulhoso, nem por isso sonegando seu conhecimento.
Sabe que seu legado ajudará a manter sempre acesa a chama da construção social; da cultura.
É a grandiosidade do ser humano de partilhar o que sabe com aqueles que querem aprender.
Belíssima história.
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